Por Joaquim Haickel
De tanto falar sobre política, acabei sonhando com ela.
Durante vários dias, nas mais diversas rodas de amigos, meu assunto foi recorrentemente política. Todo mundo debatendo o futuro de nosso país, dilacerado por uma radicalização absurda, que anestesia e cega até as pessoas mais inteligentes e sensatas, que se deixam levar pela ideologia ou pela paixão, coisas incompatíveis com o debate sadio de ideias e a boa convivência.
Tenho uma teoria bastante simples sobre a observação e a análise dos fatos e dos cenários políticos, independentemente da posição em que se encontre o observador ou o analista. O fato é que quem se dispuser a observar, analisar e comentar a política, não pode para isso, jamais usar o coração, o fígado, ou o bolso, nesse intento.
Na análise da política deve-se usar tão somente o cérebro, de forma pragmática e cartesiana, caso contrário o trabalho será contaminado pelas enzimas provenientes dos citados órgãos. Do coração, metaforicamente falando, podem advir sentimentos, emoções e paixões que certamente comprometeriam a observação e a análise, desvirtuando os comentários que se fizesse.
Da mesma forma, o fígado não pode ser usado, pois a mágoa, o rancor, e a raiva (metaforicamente) produzidas neste órgão embaçariam qualquer conclusão a que se pudesse chegar.
O bolso, em que pese não ser um órgão intrínseco do corpo humano, é um órgão essencial para nossa sobrevivência, mas nem mesmo assim se pode pensar em política alavancado por ele, sob pena de pendermos para o lado em que iremos enchê-lo, e ficarmos contra aquele que irá esvaziá-lo.
O certo é que em meio àqueles dias conturbados de intensos debates políticos, exausto, fui para casa e simplesmente apaguei, depois de tomar um demorado e relaxante banho.
Naquela noite, o sonho que tive foi muito revelador. Sonhei que eu era o apresentador de um programa de entrevistas em um grande canal de televisão e que naquele dia estava recebendo a visita de dois importantes convidados, dois dos maiores expoentes políticos do país, um esquerdista e outro direitista.
Eram políticos acima de qualquer suspeita. Homem íntegros, corretos, coerentes e respeitados por suas posições sinceras em cada um dos dois campos antagônicos da política.
Eu havia me preparado para aquele programa em especial, pois admirava os dois entrevistados, principalmente por sermos nós três, antigos e bons amigos.
Aquele programa teria uma sistemática diferente. Eu faria algumas perguntas para cada um deles separadamente, para que a resposta de um não influenciasse, limitasse ou possibilitasse que o outro se aproveitasse das respostas de seu antagonista.
Assim foi feito. Perguntei ao primeiro se ele, sendo uma pessoa tão correta, não se sentia de alguma forma constrangido por apoiar e votar em um candidato que é tido como homofóbico, misógino, racista, além de fascista, sem contar que ele é abertamente negacionista.
Ao segundo entrevistado perguntei algo bastante semelhante. Uma vez que todos sabiam de sua retidão de propósitos e de princípios, se ele não se sentia de alguma forma constrangido por apoiar e votar em um candidato que, tendo sido durante oito anos presidente da república e comandante de um grupo político que governou o país por quase 16 anos, aparelhou o governo, minou as instituições, quase destruiu nossa economia, tirou de nós a condição de bons parceiros comerciais, deixou esse país com 13 milhões de desempregados e foi condenado por corrupção, entre outras coisas.
Na segunda rodada perguntei a cada um dos dois convidados, se eles acreditavam que seus candidatos a presidente da república teriam condições de reverter as expectativas que o eleitor bem informado e consciente tem sobre cada um deles.
A terceira e última pergunta que fiz a cada um dos entrevistados, cada um separadamente, foi um pouco mais complicada. Perguntei se eles avalizariam seus respectivos candidatos quanto às seguintes questões: Se o primeiro poderia garantir que seu candidato deixaria de ser irascível e boçal; Se ele não mais se portaria de forma vexatória e ridícula, jogando na lama a liturgia do cargo presidencial; Se ele deixaria de ser preconceituoso no que diz respeito a raça, sexo, gênero e outros assemelhados; se ele poderia garantir que seu candidato se manteria fiel ao juramento que fez de defender a república e a democracia.
Ao segundo entrevistado a pergunta foi semelhante no sentido do aval, mas os itens a avalizar foram diferentes. Perguntei se ele poderia garantir que seu candidato não voltaria a operar as mesmas práticas que fizera no passado, como estabelecer esquemas de fraude e corrupção nas instituições e empresas nacionais; Se ele poderia garantir que os interesses nacionais não mais seriam colocados de lado, dando prevalência para a construção de uma sistema supra nacional de politica comunista, financiando países estrangeiros; Se seu candidato não iria usar o poder que tivesse nas mãos para romper a liberdade individual dos cidadãos, a liberdade de opinião, a liberdade jornalística, inclusive estabelecendo formas de controle da imprensa e da mídia.
Quando eu iria, ainda no meu sonho, começar a segunda parte do programa, no qual eu chamaria os dois entrevistados, meus amigos, para sentarem-se comigo à mesa do debate, eu despertei assustado, como se tivesse presenciado algo absurdo. Uma verdadeira tragédia.
A sensação com a qual fiquei, foi que os entrevistados daquele programa onírico, teriam dito que acreditavam piamente que seus candidatos são os políticos mais corretos, coerentes, honestos, bem preparados e aptos a dirigir nosso país da melhor maneira possível, que nada do que se diz sobre eles, tem o menor fundamento, que tudo é narrativa para manchar suas imagens de grandes políticos, cidadãos dignos de receberem o voto da população brasileira.
Até em sonho eu estou decepcionado com a classe política, pois não aceitar a verdade é uma coisa inadmissível, para qualquer pessoa comum, muito mais para uma que interfere diretamente em nosso destino.
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